domingo, 17 de janeiro de 2010

parte II

Deixámos a praia para trás, com a paleta de azuis a fundirem-se no céu, dos tons mais escuros para os mais claros. Nunca em todo o caminho ele me largou a mão por qualquer instante que fosse.
Percorremos alguns metros na areia, silenciosamente, até encontrarmos o pequeno trilho de terra seca que nos levava até dentro do bosque, que se fundia com a praia como se fossem um só. Enquanto nos fomos embrenhando, subindo continuamente ao longo da enorme variedade de árvores e arbustos, também o nevoeiro e a humidade se foram intensificando, impedindo-nos de ver claramente dada à pouca luz presente no ar, que cada vez se ia esbatendo mais por trás de nós. Tal humidade podia dever-se ao facto de nos estarmos a aproximar do pequeno riacho que corria o bosque de uma ponta à outra, passando pelas várias casas, incluindo a minha e a sua. Continuámos o percurso e, gradualmente, foram surgindo as enormes ruínas das antigas muralhas do castelo que deram origem às lendas e histórias encantadas, das quais era o palco principal. Não me tinha dado conta que já tínhamos subido tanto, em tão pouco tempo. Na minha cabeça permanecia a mesma pergunta que me tinha ocupado a cabeça desde que saíra da praia... para que lugar estaríamos a ir? Interroguei-me por que razão nunca teria explorado aquele local convenientemente. Há anos que ali vivia, e nunca tal ideia me ocorrera. É certo que já tinha visto as ruínas, como toda a gente. Seria até uma ofensa não tê-lo feito. Mas havia tanta coisa à sua volta e eu continuava a parecer uma estranha naquele lugar.
A intensa humidade, que fazia o meu cabelo agarrar-se à cara de cada vez que me mexia, começara a dissipar-se. Entre algumas árvores altas havia pequenas aberturas que permitiam o quarto crescente incidir sobre o caminho de terra que nos levava a algum lado. -- parecia conhecer todos os ínfimos detalhes daquele bosque, como se passasse as noites a examinar cada canto. Continuava confiante a guiar-me pelo caminho fora até que, num abrir e fechar de olhos, metade das árvores que nos cercavam tinham sido substituídas por arbustos mais rasteiros, e qualquer tipo de plantas que possuíam um aroma doce e enjoativo que me invadiu as narinas, provocando-me uma ligeira tontura. Só depois me apercebi da imensidão que se alastrava à minha frente. Fiquei paralisada, a olhar para aquela irrealidade. A minha cabeça ficou vazia, nada me interrompeu naquele momento. Conseguia apenas ouvir pequenos animais a sussurrar. Parecia qualquer coisa sagrada, aquela extensão de água vinda de não sei onde... uma lagoa imensa, onde nenhum movimento sobrevinha. Senti olhos postos em nós, mas não havia ali ninguém. Era impossível. Senti as minhas pernas a submergirem na água, sem eu ter feito qualquer esforço. Acordei do sonho onde estava e logo me apercebi que -- me estava a puxar, uma vez mais, mas agora era em direcção ao centro da lagoa. Paralizei os meus joelhos, analisando a estranha temperatura que, curiosamente, estava ainda mais alta do que a da praia. Olhei à minha volta, procurando-o, mas tinha desaparecido. Virei me de costas, assustada, procurando algum sinal de vida naquele lugar. Virei-me de novo quando ouvi o meu nome sussurrado mesmo junto à minha orelha, mas quando vi, ele estava todo mergulhado na água a alguns metros de mim. Senti um arrepio a descer a minha espinha.
- Vem Ag. Confia em mim. - Não conseguia ver a sua expressão, mas a sua voz era o mais suave e carinhoso que alguma vez tinha sido nestes últimos dias.
Cuidadosamente, obriguei os meus ombros a entrarem naquele líquido transparente, temendo, mesmo assim, que algo se pudesse aproximar de mim sem eu ver. Nadei para junto dele e quando me aproximei agarrou de novo nas minhas mãos, mas juntou as minhas costas ao seu peito, ficando as nossas mãos junto da minha barriga. Senti-me segura, durante o momento em que permanecemos agarrados.
- O que achas? - Segredou ao meu ouvido, mas desta vez sabia que estava bem junto a mim.
- Não sei descrever - disse, murmurando, com medo de acordar alguma coisa que ali estivesse, fora do alcance da minha visão.
- Há muito tempo que queria trazer-te aqui, sabes. Só nunca tinha havido a oportunidade certa. – Beijou-me o cabelo húmido e juntou o seu queixo ao meu ombro. Não disse nada.
Havia uma infinidade de perfumes no ar, cada aroma se misturava com o outro, tornando-o quase sufocante. Permanecemos juntos durante um tempo que não consegui caracterizar. Ali parecia tudo mais lento do que o habitual.
- Parece que nos trouxeste para um lugar qualquer daqueles que aparecem nos sonhos – a minha voz estava a soar de modo infantil, mas era mesmo assim que eu me estava a sentir: uma criança num mundo perfeito.
Virei-me de frente para ele, ficando a poucos centímetros da sua cara. Olhei-o nos olhos, que, apesar da escuridão, ainda transpareciam o seu azul. Beijei-o na testa e abracei-o.
- Está na hora de irmos – disse – já é tarde. Não queria de todo ir-me embora dali, mas havia coisas para fazer.
- Claro, vamos – agarrou-me de novo nas mãos e levou-me para fora de água. Estava muito calor e só me apetecia tirar a roupa que estava colada ao meu corpo. Quando dei por ele, já tinha tirado a sua fina camisa. O cabelo loiro batia-lhe nos ombros, meio molhado. Fiquei incomodada, e agradeci por ser de noite e ser completamente impossível ver as minhas faces a rosar. Ele sorriu. Não entendi. Era mesmo impossível ter-me visto corar! Concluí, na minha cabeça, enquanto ele escorria a camisa, que era realmente assustador estar num sítio daqueles, de tão perfeito que era. Ainda por cima, com ele. O que piorava um bocadinho a situação. O meu coração disparou e decidi expulsar esse pensamento da minha cabeça, guardando-o na minha memória.
- Estás pronta?
- Sim, claro - sorri. Nem sequer tinha atado o meu cabelo, que continuava a pingar.
- Sim, claro - sorri. Nem sequer tinha atado o meu cabelo, que continuava a pingar. Tinha ficado a olhá-lo que nem uma criança quando observa pela primeira vez algo extraordinário.
Começámos a descer o mesmo percurso que subíramos, mas desta vez não me preocupei em olhar para todos os lados, ficando resplandecente cada vez que algo me chamava à atenção pelo que quer que fosse. Chegámos de novo ao pequeno riacho que nos levava de volta para casa. Ele acompanhou-me até à minha porta, que mantinha a luz do alpendre acesa, chamando a atenção dos insectos. Ficámos a olhar-nos por momentos, e só depois consegui dizer:
- Obrigada pelo dia de hoje, foi realmente interessante. Há muito tempo que não estávamos desta maneira. - O meu coração não diminuía a velocidade, batia de uma maneira acelerada como se tivesse acabado de correr. O seu olhar estava a deixar-me cada vez mais descoordenada, por isso olhei para o chão.
- Eu é que te agradeço Agnes. Já tinha saudades destes nossos momentos. - Com uma mão puxou o meu queixo para cima e antes que eu tivesse reacção aproximou-se de mim, ficando apenas a um milímetro da minha boca. O meu coração ia rebentar, dentro de instantes. Agi instintivamente e, sem qualquer pressa, juntei os meus lábios aos seus, receosa com o que se seguiria a seguir. Senti a sua outra mão nas minhas costas, levando-me mais ao encontro do seu corpo despido. Coloquei as mãos timidamente no seu peito quente e deixei-me levar.

***

Quando entrei em casa todas as luzes estavam acesas. Se calhar não era assim tão tarde como eu pensava. Passei pela porta da cozinha que já tinha tudo arrumado no lugar. Antes de entrar no meu quarto passei no da minha irmã.
- Onde é que estiveste? – Interrogou-me assim que entrei.
- Estive com o --.
- A sério? Mas então vocês estavam tão distantes e… o que foi, foste tu que me disseste! – Defendeu-se, quando eu a olhei com olhos inquisidores.
- Sim, mas agora já está tudo bem, não há razões para falar nisso.
De vez em quando dava-me a impressão de que os seus dezasseis anos mais pareciam cinco.
- Tudo bem. Mudando de assunto, não te esqueceste do que temos que fazer amanhã, pois não?
- Não Vivienne, não esqueci. A que horas temos que ir para lá?
- Logo assim que o sol nasça. Quanto mais cedo melhor, fica logo tudo pronto.
No dia seguinte ia haver uma celebração das colheitas, imitando os rituais que os nossos antepassados costumavam fazer, mas sem o mesmo rigor. Era aquelas típicas festas onde toda a gente come, bebe e dança. A aldeia já há vários dias tinha começado a fazer os primeiros preparativos. Tinha visto as alterações que fizeram junto do largo quando fui comprar alguma fruta e ovos para o almoço de hoje.
- Tudo bem. Assim que acordar eu chamo-te e vamos logo então.
- Está bem.
- Boa noite, Viv.
- Agnes… - estava já junto da porta quando me voltei para trás e a vi a olhar para mim com os olhos a brilhar.
- Sim…
- Amanhã… ah, o … o Aeron também vai connosco para ajudar toda a gente, está bem?
- Claro! Quantos mais melhor. – Dei-lhe a entender que não tinha sequer reparado na sua pequena indecisão ao dizer me aquilo. Saí do seu quarto e dirigi-me para a casa de banho. Quando entrei no meu quarto não havia uma única luz acesa, apenas o brilho do quarto crescente que entrava pela minha janela, iluminando todo aquele espaço junto à cabeceira da minha cama. Estava cansada. Apesar de tudo, aquele dia tinha sido esgotante. Mal me enrosquei nos lençóis, comecei a adormecer…

4 comentários:

  1. Já nos tinhas lido o inicio desde "capítulo" e gostei muito da forma como o acabaste. Não achei que o fim estivesse frouxo como disseste xD

    Está a ficar muito bom amor, continua =)

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  2. Adorei a história... já tinha lido o primeiro e amei... estou a seguir.

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