quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

o ínicio - parte I

Depois da longa caminhada que fizemos ao longo da praia e de eu lhe ter contado toda a minha existência natural, durante estes últimos tempos em que passou fora, decidimos sentar-nos naquele lugar só nosso, aquele pedaço de areia onde tantas outras vezes já tínhamos construído castelos, feito confissões desesperadas e de, em muitas situações, não termos feito simplesmente nada.
Quando me sentei, exausta, por já não estar habituada aos nossos longos percursos, olhei para cima, tentando perceber que sombra permanecia intacta à minha frente, impedindo o sol de se despedir de mim, de mais um ciclo, de mais um dia. Ele, ao contrário do que pensei quando o olhei fixamente, parecia querer permanecer ali para sempre.
- Porque não te sentas? A areia ainda está quente – sugeri-lhe, brincando com a piada de sempre.
Indescritivelmente parecia que havia algum poder da parte dele que me impedia de ser como costumava ser e que envergonhava a minha própria coragem. Não costumava ser assim. Desde que regressou da sua ausência misteriosa, tinha deixado de ser o -- aberto e simpático que sempre tinha sido, desde a altura em que brincávamos de fraldas. Agora, de cada vez que eu abria a boca para dizer o que quer que fosse, logo me arrependia. Todas as minhas frases pareciam ser minuciosamente lidas pela mente dele, umas cem vezes, para testar algum senso de inteligência, que, claro está, raramente lá estava. Sentia-me constrangida por continuar a ser a Agnes que sempre fui. E de alguma maneira, sentia-me mal por saber que já não havia o – de outrora.
- Não sei. Acho que prefiro ficar aqui. – Que quereria ele dizer com isto? Mais uma das suas estranhas reacções: rejeitava tudo o que não era ele próprio a propor.
Relembrei de novo o que me enervou mais no passeio de hoje. Em primeiro, as suas falas reduzidas. E segundo, o conteúdo do que dizia parecia permanecer um mistério à minha compreensão. Não consegui ainda entender ao certo se ele vai, algum dia, contar-me o que se passa ou o que se passou, se é que tenciona realmente fazê-lo. O que é certo, é que continua a querer a minha companhia, ainda que não se esforce minimamente para manter um diálogo. Estava a começar a considerar ser eu a chegar-me à frente para entender o que não conseguia descodificar.
- Em que estás a pensar? – Nem me apercebi que tinha permanecido completamente calada durante o tempo em que entrei em devaneio com as poucas respostas que ele me dava.
- Estava a pensar em muita coisa. Mas o que mais me preocupa és tu. – Não prossegui, querendo perceber se ele ao menos ouvia o que eu lhe dizia.
- Eu? – Invariavelmente assumiu a postura de que não tinha percebido o que acabara de ouvir.
- Sim tu --. Se estiveres a interrogar-te ‘porquê’, posso esclarecer-te.
- Sim, claro. – Novamente, mais uma resposta típica.
- Olha, vai custar-me dizer-te isto – nem quis olhar-lhe para a cara enquanto falava, não ia facilitar as coisas – mas não entendo o que tu pensas ou o que tu queres, se é que queres alguma coisa. Já é a segunda vez que aqui vimos, depois da tua viagem, já foram também duas as vezes que me pediste para te contar o que tinha acontecido na minha vida enquanto estiveste fora e eu, estupidamente ou não, ainda não percebi, contei-te tudo, detalhadamente. Tu, por outro lado, limitas-te a fazer perguntas simples e a responderes com monossílabos. É realmente cansativo tentar adivinhar a toda a hora a maneira como te sentes ou se aquilo que eu digo te interessa ou se o ouves só por conveniência. Conhecemo-nos há anos e nunca tivemos um momento em que houvesse silêncio entre os dois… tu dizias como te sentias, eu também e a partir daí ajudávamo-nos mutuamente. Agora nem sei se precisas de ajuda, não consigo ver o teu estado de espírito e os teus sentimentos parecem demasiado distantes para a compreensão de um ser humano. Parece que crias uma barreira à tua volta, impedindo qualquer pessoa de chegar a ti. Eu não sei que mais te posso dizer. Desculpa-me se fui bruta. – Durante instantes continuei sem coragem para olhá-lo nos olhos, que desde sempre transpareciam a sua alma, e agora, estavam baços, distantes. Demorou pouco tempo a criar a sua resposta.
- Não foste bruta. Foste o mais sincera que eu te podia pedir. Eu sei que ultimamente não tenho sido quem tu gostavas que eu fosse. Desculpa-me por isso. Já tinha reparado que havia perguntas que tu evitavas fazer, com receio do que eu pudesse responder. Desculpa-me se te fiz sentir desconfortável. – Fiquei espantada. Por duas razões. Falou, respondeu-me, reagiu. Mas não me deu qualquer explicação e as minhas dúvidas permaneciam insaciadas. Mas não ia insistir mais. Podia ser que ele tivesse percebido que eu queria ser esclarecida. Se não, talvez mais tarde lhe perguntasse directamente o que se passava. Mas não agora.
- Não tens que pedir desculpa. – Não tinha ainda acabado a frase já ele se tinha sentado bem perto de mim, como sempre tinha feito. De um momento para o outro parecia que toda a sua guarda se tinha finalmente posto de lado. Permanecemos em silêncio durante um tempo e nem eu nem ele fomos capazes de o interromper. Instantaneamente parecíamos repostos num dos nossos muitos momentos naquele sítio. Ficámos assim até ao sol se esconder por completo por trás daquele manto azul esverdeado que se estendia calmo à nossa frente.
Quem quebrou o silêncio foram as palavras da nossa mente, as perguntas de ambos. Então, olhámo-nos por uns segundos e eu não consegui resistir àquele sorriso que tantas vezes me tinha feito sorrir também, depois de um idêntico momento de constrangimento.
Senti os seus dedos quentes a percorrerem a minha cara, forçando-me a olhá-lo nos olhos. Com a sua outra mão, pegou na minha e levou-a aos lábios, beijando-a delicadamente como se também ele tivesse receio. Olhou-me com olhos de quem pede uma oportunidade eterna e disse-me:
- Vem comigo. – Não lhe respondi. Nem sequer tive reacção. Levantámo-nos num salto e a partir daí limitei-me a segui-lo para aquilo que eu sabia que ia ser mais uma das nossas grandes aventuras.
[p.s. '--' corresponde ao nome ideal que eu ainda não encontrei para ele]

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